No artigo anterior, em que tratamos sobre instrumentos financeiros derivativos, focamos no entendimento das opções, instrumento muito utilizado para fins de hedge (proteção) contra a volatilidade dos mercados e ainda utilizado apenas para fins especulativos (tentar ganhar com oscilação) desse instrumento financeiro derivativo.
Neste novo artigo, o objetivo é continuar discorrendo sobre o funcionamento e a contabilização dos instrumentos financeiros derivativos, em específico as NDFs, sigla essa em inglês para Non Deliverable Forward, ou Contrato a Termo de Moeda sem Entrega Física.
Sabemos que com a globalização, o relacionamento comercial entre empresas de diversos segmentos e em muitos países pelo mundo cresce a cada dia. Esse tipo de relacionamento fortalece a existência de transações comerciais entre essas nações, tais como importações, exportações e, por muitas vezes, captação de recursos financeiros (empréstimos) em moeda estrangeira.
Sabemos também que o cenário econômico mundial possui diferença significativa no sentido de haver níveis de riscos de um país em relação a outros, sendo que o conceito econômico-financeiro de riscopaís traduz a possibilidade de mudanças no ambiente de negócios, o que consequentemente impacta nos ativos das empresas, lucros etc.
Mas a ideia é traduzir a complexidade e expor as oportunidades nesse mercado global, em que tudo isso produz impacto relevante sobre o fluxo cambial, ou seja, há a valorização ou desvalorização de uma moeda em relação a outra.
Bom, agora já sabemos o porquê da existência das NDFs, certo? Acompanhe o exemplo.
As empresas que importam bens ou mercadorias estão expostas às variações das moedas estrangeiras, assim como as empresas que exportam bens ou mercadorias ficam expostas à variação dessas moedas e, ainda caso captem empréstimos em moeda estrangeira, também ficam expostas à volatilidade dessas moedas. Depois de conhecermos essas exposições, imaginem agora qual seria o nível de insegurança em que os empresários se encontram muitas vezes de forma cotidiana ao estabelecerem transações comerciais ligadas a moedas estrangeiras. Realmente desafiador, não acha?
Portanto, para que seja possível a minimização desses níveis de insegurança em relação a essas exposições e para que esses empresários tenham boas noites de sono e consigam garantir o pagamento de suas obrigações com fornecedores, instituições financeiras, funcionários etc., em um montante previsível, em muitas organizações são utilizados instrumentos financeiros derivativos, em muitos casos as NDFs.
Como funcionam as NDFs?
Antes de detalharmos o funcionamento das NDFs, precisamos apresentar algumas características encontradas nesse derivativo e suas formas de contração:
Objetivo: proteção contra a variação dos preços e variação cambial;
Responsabilidade sobre a contratação: partes contratantes;
Quantidade: estabelecidas entre as partes contratantes, diferentemente dos contratos futuros em que esses itens são estabelecidos pela bolsa;
Vencimento do instrumento: negociado entre as partes;
Créditos e garantias: nem sempre há garantias vinculadas e normalmente é exigido um alto nível de crédito;
Variações: não há ajustes diários, como acontece nos contratos futuros;
Onde se transaciona: mercado de balcão (bancos ou corretoras), instrumento não negociado em bolsa de valores.
Agora que já vimos por que existem as NDFs e suas principais características podemos concluir que nas transações comerciais das empresas esses instrumentos financeiros são utilizados como instrumento de hedge (proteção), pois o contratante de uma NDF garante uma taxa de câmbio futura para a moeda base do contrato.
É de nosso conhecimento que o nome complicado (Non Deliverable Forward) tem como função básica proteger as transações das empresas em relação às variações de preços de mercadorias, bens e das moedas.
Passamos agora a exemplificar uma transação com a contratação de uma NDF de dólar:
Utilizando um exemplo hipotético, imaginemos que um empresário brasileiro receba uma proposta quase irrecusável para captação de um capital de giro em dólar, em que o contrato de empréstimo teria a taxa de juros de 3,5% ao ano + variação cambial.
Olhando para a taxa de juros seria uma excelente oportunidade para captação, no entanto, há um sinal de alerta nessa operação, uma vez que os acontecimentos econômicos mundiais estão indicando que a cotação da moeda estrangeira (dólar) estaria em uma tendência de alta. Sabendo disso, o empresário fica diante de um dilema.
Ou seja, uma oportunidade de contratar um empréstimo a uma taxa de juros muito atrativa, porém, com exposição às possíveis variações na cotação do dólar, especialmente em um cenário de alta. O que fazer, então, para aproveitar a taxa de juros atraente do empréstimo?
Nesse caso, o empresário poderá contratar um derivativo, a NDF, que acompanhará as variações cambiais relativas ao dólar, ou seja, se o dólar subir, obviamente ele pagará um valor maior referente ao empréstimo captado, contudo, a diferença a ser paga em relação à captação realizada hoje, o banco creditará em sua conta corrente.
Dessa forma, o empresário consegue ter previsibilidade em relação ao custo financeiro nessa captação e não importa se o dólar subir ou cair, ou seja, ele saberá no momento da contratação do empréstimo o valor que pagará no futuro.
Perceberam que estamos falando de um mecanismo de hedge (proteção) por meio de um instrumento financeiro derivativo, trazendo o conforto da proteção para captar os recursos necessários para a empresa.
Vamos para a contabilização?
Exemplo ilustrativo desconsiderando os efeitos tributários:
Suponhamos que após o empresário ter pactuado a contratação do empréstimo em dólar e das NDFs (derivativos) foram apuradas as seguintes informações:
Data das contratações/liberação do recurso: 01/05/2021.
Valor creditado na conta corrente da empresa: USD 1.000.000 x 5,4 (cotação do dólar) = R$ 5.400.000 Valor das NDFs contratadas pela empresa: USD 1.000.000 x 5,4 (dólar contratado) = R$ 5.400.000 Os vencimentos do empréstimo e das NDFs serão em: 15/11/2021.
Tendo esses dados em mãos, o empresário precisa saber como contabilizar essas operações.
Considerando que o empréstimo recebido em primeiro de março foi de R$ 5.400.000, o contador fará a contabilização abaixo:
Débito da conta: Caixa e equivalentes de caixa (ativo circulante)
Crédito da conta: Empréstimos e financiamentos (passivo circulante) … R$5.400.000
Quanto ao lançamento contábil acima, percebam que não se difere dos lançamentos contábeis realizados nas captações de empréstimos tradicionais.
Como contabilizar as NDFs?
Geralmente os derivativos não possuem despesa inicial ou possuem uma despesa mínima na data das suas contratações. No caso específico do derivativo das NDFs, não há custo algum no momento da contratação. Portanto, no momento inicial o valor justo ou fair value do contrato a termo (derivativo) é igual a zero, de maneira que no momento inicial da contratação não há contabilização no ativo ou no passivo nas demonstrações contábeis da empresa.
Assim, as variações desses instrumentos financeiros derivativos passam a ser registrados contabilmente somente por ocasião dos fechamentos mensais dessas demonstrações contábeis.
Veja este exemplo:
Observação: como o exemplo abaixo demonstrado tem por objetivo facilitar o entendimento da contabilização, não iremos abordar a contabilização de hedge, também conhecida como Hedge accounting. Dessa maneira, as variações com ganho/perda com derivativos serão contabilizadas considerando as contas patrimoniais e de resultado, não contemplando o patrimônio líquido. Quanto à contabilização de hedge, esse assunto poderá ser abordado com profundidade em um próximo artigo.
Imaginemos que em 31/05/2021 o dólar esteja cotado a R$ 5,65 e a empresa do nosso exemplo tenha contratado as NDFs à taxa de R$ 5,40. No final de março, a empresa registraria o ganho temporário no montante de R$ 250.000 (R$ 5,4 – R$ 5,65 = R$ 0,25 x 1.000.000 = R$ 250.000,00), pois o dólar se valorizou frente ao real. Como a empresa possui o contrato (NDF) a R$ 5,40 e a cotação da moeda nessa data era de R$ 5,65, caso o contrato tivesse a sua finalização nessa data, a empresa receberia esse valor da instituição financeira.
Demonstrativo de cálculo:
Neste momento é necessário que haja a primeira contabilização em relação ao derivativo contratado.
O lançamento contábil desta etapa deve ser da seguinte forma:
Débito da conta: Instrumentos financeiros derivativos (ativo circulante)
Crédito da conta: Ganhos com instrumentos financeiros (demonstração do resultado) … R$ 250.000 Após essa contabilização, vale a reflexão: contabilizamos a variação cambial relativa ao instrumento financeiro derivativo (NDF); uma vez que os recursos captados também foram em dólar, deveríamos registrar uma variação cambial passiva, correto? A resposta é sim! Com o aumento da cotação do dólar, o valor a pagar referente ao empréstimo também aumentou.
Demonstrativo de cálculo:
O lançamento contábil desta etapa deve ser da seguinte forma:
Débito da conta: Variação cambial passiva (demonstração do resultado)
Crédito da conta: Empréstimos e financiamentos (passivo circulante) … R$ 250.000
É de se notar que com essas contabilizações a empresa possui o direito de receber da instituição financeira no final de março o valor de R$ 250.000 e, ao mesmo tempo, possui a obrigação de pagar ao banco os mesmos R$ 250.000, pois o dólar se valorizou frente ao real.
A recomendação é que essas contabilizações sejam realizadas no mínimo a cada fechamento contábil mensal, uma vez que as demonstrações financeiras têm por objetivo representar adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a posição patrimonial e financeira das empresas.
Não podemos deixar de comentar que no exemplo acima se estabelece uma relação de hedge, pois na demonstração de resultado contábil apresenta resultado neutro em relação a essas operações que permanecem em aberto até o vencimento das operações, que no nosso exemplo seria em meados de novembro de 2021.
No exemplo acima vimos que a valorização do dólar frente ao real fez com que a empresa tivesse um saldo a receber de R$ 250.000 da instituição financeira e simultaneamente fosse constituída a obrigação junto a essa instituição referente à variação cambial passiva. Mas se houvesse valorização do real frente ao dólar, como isso ficaria na contabilidade?
Vamos lá:
Imaginemos então que em 30/05/2021 o dólar esteja cotado a R$ 5,25, e a empresa do nosso exemplo tenha contratado as NDFs à taxa de R$ 5,40. Dessa forma, no final de março a empresa registraria a perda temporária no montante de R$ 150.000, pois o dólar se desvalorizou frente ao real.
Demonstrativo de cálculo:
Neste momento é necessário que haja a contabilização em relação ao derivativo contratado.
O lançamento contábil desta etapa deve ser da seguinte forma:
Débito da conta: Perdas com instrumentos financeiros derivativos (demonstração do resultado)
Crédito da conta: Instrumentos financeiros derivativos (passivo circulante) … R$ 150.000
Com ocorrido podemos concluir que no exemplo acima, caso a empresa tivesse como obrigação realizar a liquidação dos derivativos no final do mês de maio, ela deveria fazer o pagamento no valor de R$ 150.000 para a instituição financeira a qual contratou o derivativo, realizando, portanto, a perda com esse instrumento financeiro derivativo (NDF).
Mas então a empresa realmente perdeu dinheiro? Resposta: errado!
De imediato, caso não se identifique a relação de hedge, os usuários das demonstrações financeiras podem ter uma opinião distorcida em relação ao resultado das operações “hedgeadas”, uma vez que podem enxergar apenas uma ponta do processo.
Justificando isso, vamos lembrar que quando a empresa captou o empréstimo, a cotação do dólar estava a R$ 5,40. Dessa forma, caso a liquidação do empréstimo ocorresse também ao final de março, teríamos uma variação cambial ativa no valor de R$ 150.000, uma vez que sua liquidação se daria a uma cotação da moeda estrangeira no valor de R$ 5,25.
Devendo-se, portanto, realizar o seguinte lançamento contábil:
Débito da conta: Empréstimos (passivo circulante)
Crédito da conta: Variação cambial ativa (demonstração do resultado) … R$ 150.000
Talvez agora você queira saber o que aconteceria caso a empresa não tivesse efetuado a contratação dos derivativos. Ela pagaria o empréstimo à cotação de R$ 5,25 e não de R$ 5,40 e não teria pago nada ao banco, gerando uma economia de R$ 150.000.
Podemos concluir, então, que nesse exemplo houve o “gerenciamento de risco” frente à volatilidade da moeda, o que nem sempre produz o melhor resultado financeiro, entretanto, sobretudo traz previsibilidade para os resultados dos negócios das companhias.
Fica evidente, portanto, a importância de um correto gerenciamento de risco visto as volatilidades que permeiam os mercados, e as NDFs podem ser uma excelente alternativa para que esse gerenciamento seja realizado de forma efetiva, preservando sempre a previsibilidade dos resultados provenientes das transações empresariais.
A equipe de Auditoria Independente do Grupo BLB Brasil é especialista nas análises das operações com instrumentos financeiros derivativos, com experiência prática em diversos clientes. Conte conosco!
Robson Santesso Pires
Gerente de Auditoria
NDF: conheça esse tipo de instrumento financeiro derivativo (blbbrasil.com.br)